quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Histórias Esquisitas II.






Perciválio tem moedas. Ele guarda suas moedas num cofrinho de pinguim. Ao fim do dia, quando chega em casa, Perciválio diz, com certo orgulho, “Essas são as moedas que ganhei hoje”, e logo deposita todas no cofrinho. Tudo corre bem para Perciváio. Há, entretanto, algo que incomoda. Com o tempo, as moedas que ele ganha hoje se misturam às que ele ganhou ontem, que se confudem com as que ele ganhou anteontem que, por sua vez, unem-se às que ele ganhou na semana passada. As coisas ficam confusas. Perciválio senta-se. Pensa numa solução. “Posso comprar mais cofrinhos. Em cada um deles, insiro somente as moedas do dia, de forma que elas não se misturem com as outras”. Talvez seja uma boa idéia.


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Algo acontece na casa de Matilda. Seu marido recusa-se a tomar o café da manhã. Matilda vaga pela cozinha. O marido não toca no omelete que ela preparou. “Beba ao menos o suco de tamarindo, querido”. Ele não responde. Sentado à mesa, oberva que grãos de tamarindo descem e formam no fundo do copo uma camada de sedimento. No jardim, o cão Januário late de alegria. Ele acaba de desenterrar o osso que reservou para o desjejum.



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Hermínio gosta de rapazes, mas não admite. Segundo ele, os gays sofrem de falta de testosterona. Uma simples injeção pode resolver o caso. Se um gay tomar uma injeçãozona de testosterona, vira hetero na hora e pára de viadagem. Essa é a teoria de Hermínio.



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Meu nome é Roscóvio. Sou cobrador de ônibus. Tenho quarenta e cinco anos. Gosto de passear pela cidade na cadeirinha alta. As pessoas do ônibus ficam em assentos mais baixos, de forma que tenho um bom ângulo para observá-las. Mas prefiro ver a cidade. As pessoas fazem barulho, riem alto. Não suporto. Uma mulher diz à outra: “Hoje tem forró. Vamos?”. A outra responde: “Estou sem dinheiro”. Uma mãe diz ao filho: “Geraldino, fique quieto, diabo!” Não sei como a mulher pôde chamar o filho de diabo. Não é coisa que se diga a uma criança.


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Era meia-noite, e as pessoas iam chegando para a cerimônia. Logo, todos estavam presentes. Menos Odete. Eles pensavam consigo: “Onde Odete se meteu?” Quando deu meia-noite e meia, D. Urbana, a anfitriã, começou a ficar nervosa. Odete nunca havia se atrasado. Mas nisso,  Odete irrompe na sala, uma diaba. Vinha desalinhada, babando doida, cabelos em fúria, vidrada: “Que soem os tambores!”, ela berrou, já inaugurando a dança, rasgando com um só puxão a blusinha de tafetá, expondo tetas, girando pela casa, derrubando os móveis, bolinando os convidados, convidando todos para a vida. Um estremecmento de ódio percorreu a sala.  Ou era prazer? A cerimônia havia começado.

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