segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Histórias Esquisitas III.






São dois rapazes e um bêbado. Estão na calçada de um bar às cinco da manhã. Os dois têm muito a conversar, mas o bêbado atrapalha, dizendo a cada cinco minutos: “Morei em Londres em 1988 e conheci Frank Zappa”. Um dos rapazes, tentando ignorar o bêbado, fuzila o outro com a questão “O que você entende por trágico?” O outro, atônito, balbucia alguma coisa. O bêbado: “Morei em Londres. Tenho 47 anos. Tudo é antigo para mim”. Os rapazes falam sobre pensamento e linguagem. Um deles propõe a idéia de um pensamento sem linguagem. O outro acha impossível. O bêbado diz: “Morei em Londres. Lá todo mundo anda pelado na rua”.


Flúvia não é lá uma garota muito inteligente. Na aula de ciências, não consegue entender o que siginifica “DNA”. Damasceno, seu colega de turma, lhe diz: “Flúvia, deixe-me ver sua vulva”. Ela sorri. Não sabe o que significa “vulva”. A ignorância de Flúvia é de uma doçura tamanha que sinto vontade de apertá-la. Uma vez, a professora pediu que ela escrevesse na lousa a palavra “paralelepípedo”. Desorientada, ela rabiscou alguns garranchos. Não fazia idéia de como escrever uma palavra tão complicada.
 


Ovaristo gosta de música. Ele diz na padaria: “Nunca ouvi nada melhor do que a “Sinfonia Concertante” de Mozart”. O padeiro Olívio replica: “Prefiro Brahms. Mozart é repetitivo”. Furibundo, Ovaristo ataca: “Mozart repetitivo? Nunca ouvi maior asneira na vida!” Os fregueses interrompem a refeição.  Silêncio. Olívio tenta remediar: “Não leve a mal, Ovaristo. Cada um...” Ovaristo, afogueado, interrompe: “Nunca mais dirija a palavra a mim, seu velho sujo!” Os fregueses, temerosos, baixam a cabeça: não ousam olhar para o exaltado. Ele deixa a padaria aos trancos, como se houvessem maltratado o que, de tudo no mundo, merecia mais cuidado. Ferido pelo padeiro, ele tenta respirar, mas a rua é um emaranhado de metal e concreto onde todos pensam mal de Mozart. “Eles trocam Mozart por Ivete Sangalo.”  - pensa Ovaristo, enojado.


Chove de madrugada. Dois amigos bebem.  Felizes, porque enfim estão juntos no balcão do bar. A alegria de um é a alegria do outro. Eles se bastam. E ali  conversam, usufruem, fumam. Em cada  palavra que trocam reponta a alegria que lhes provoca a presença do outro. Quando um deles começa a contar sobre uma conversa que teve ao telefone com o pai, o outro aguça os ouvidos. Estão bêbados, comovidos. Trêmulos. Partilham cachaça, cerveja, cigarros. Saem do bar e se abrigam numa marquise. Um deles diz: “Que bonita a chuva”. O outro não responde. São dois amigos.


Sobrônio vai ao concerto sozinho, pois não gosta que o incomodem quando escuta música. Uma vez, convidou a amiga Silícia. “Vamos ao teatro? Vão tocar os três Razumovsky de Beethoven.” Ela aceitou, sem saber direito do que se tratava. No início, enquanto os músicos afinavam, ela observou: “Música esquisita. Não tem piano?” Logo no Allegro inicial do primeiro quarteto, ela indaga ao amigo: “Ninguém vai cantar?”. Sobrônio tenta ser gentil: “Não, querida. É um quarteto de cordas. Ouça como é bonito.” Ela logo começou a bocejar. Sobrônio se contorce: “É uma ignorante. Jamais deveria tê-la convidado.“ Durante o Andante com moto do terceiro quarteto – que Sobrônio amava – ela inicia uma longa narração, ao pé do ouvido dele, sobre os problemas conjugais de sua irmã Govinda. “Ele bebe muito. Chega em casa tarde. Acho que está  tendo um caso.” Quando os aplausos explodem, ao fim do Allegro molto, ela ainda fala. “Govinda é tão ingênua. Mas eu não sou boba. Sei que aquele marido dela não presta.”