repara que a ossatura das coisas nunca se deixa investigar e mesmo as tuas investidas são quimeras frente à inflexível urdidura das coisas, a cerzidura do mundo, o entrelaçado das horas – repara que dentro das rochas, repara que nas bordas úmidas do mundo escorregas tu e escorrego eu em tuas armadilhas – o mundo cresce e suga de nós a alegria, o mundo injeta em nós mais alegria para que continuemos em incessante exercício.
repara que no entretecer das horas, repara que no prosseguir do tempo tu te perdes e eu me perco em ti, emaranhado. repara nas folhagens, repara no líquido branco que o meu corpo expele, repara na pele que recobre a carne, nas veias embutidas nela, repara na teia de nervos que atravessa a carne de uma ponta a outra – repara que a nervura das coisas nunca se deixa entrever por meus olhos, por teus olhos que eu quase nunca entrevejo: os sóis de inverno, os pés de um alecrim plantados, os lapsos entre um e outro instante – repara que o teu corpo cresce, repara na vida que emana do teu corpo e repara que o teu corpo bebe da mesma fonte da qual bebe o meu corpo.
repara que a armadura do mundo, repara que a estrutura do mundo nunca se deixa alcançar senão por oculta alquimia adivinhatória – repara ainda nas pedras de opala, nas rajadas de vento, nas distâncias – repara que a distância que de ti me separa é mesquinha e ilusória – que a vida aproxima as partes apartadas, que o mundo propaga um clamor de batalha, que as válvulas do mundo trabalham – os gêiseres, a lava dos vulcões que a terra espirra, os cataclismas – repara na beleza dos cataclismas da terra, na beleza trágica dos maremotos, repara quão diminutos somos nós frente ao colapso dos ligamentos da terra, quão caricata é a minha cara e quão caricata a tua cara quando estampada na primeira página.
repara nas balas, repara nos projéteis, repara nas cápsulas, repara nas ogivas de titânio e bromo, repara em todos os elementos que compõem a terra e repara no modo como todos eles se combinam na fazedura das coisas – repara nos estames de hibisco, repara nas sépalas, repara no caule erétil que sustenta a floração das coisas, repara ainda nas inflorescências – nas formidáveis inflorescências da terra que são as grandes formações rochosas, os aparados da serra, repara como são portentosos os monumentos erguidos sobre a capa fina da terra, repara como são garbosos, como são vastos os prados, como são vastos os pampas entrecortados de coxilhas, neles se pode divisar um horizonte aberto, neles se pode pressentir a linha de curvatura da terra.
repara no imperceptível movimento da terra, repara na seqüência inabalável dos dias e das madrugadas, os dias e as madrugadas e novamente os dias e as madrugadas, repara que à vida sobrevém a morte e repara que ninguém tem primazia nesse ciclo – e que até tu com tuas maravilhas, até tu com tuas algazarras, até tu - há de liquidar-se dentro das cavidades da terra para todo o sempre.
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