sexta-feira, 12 de março de 2010

Um Mundo Transformado.




Eu faço parte daquilo que desconheço.


(Antes de começar esse poema, eu preciso de três perdões. O primeiro, por ter que escrever em versos tão repletos do pronome “eu”. Sei que pode soar pedante, exibicionista ou egocêntrico mas, em algum momento, uma pessoa sente que deve falar de si mesma, sem pejos. Um segundo perdão quiçá me será dado, por parte daqueles que prezam a busca da verdade, por ser contraditório no que escrevo. Mas não é o humano algo de fundamentalmente contraditório? Não será o humano algo que se chama, antes de tudo, “contradição”? Discordem de mim, e eu gostaria que discordassem. Preciso de adversários. Quer ser meu adversário fraterno? Se eu tiver sorte, um terceiro perdão me derá dado pela excessiva quantidade de palavras aqui registradas. Sei que isso tem um nome nada honroso  - “verborragia”. Mas não sei fazer haicais e a concisão não é o meu forte – eu amo os fluxos. Portanto, perdoem, sejam complacentes, sejam mansos).




Eu caminho em direção ao que não se pode conhecer.
Meu cérebro trabalha num ritmo alucinatório.
Eu sou doce, dócil e auto-destrutivo.
Eu sou triste, angustiado e sozinho.
Eu uso meu corpo para experiências que são dilacerantes.
Eu me contento com pouco.
Eu nunca estou satisfeito.
Eu me excedo, mas busco a retidão e o comedimento.
Eu sou silêncio, mas todos os ruídos estão em mim.
Eu sou a incomunicabilidade.
Eu sou a dor de não conseguir chegar a ti.
Eu sou a dor de uma perda irreparável.
Eu sou a dor e não tenho esperança de alívio.
Eu trago dentro de mim a possibilidade do alívio.
Eu tenho a inquietude e pratico todos os dias um desastre.
Eu sou completamente sincero.
Eu sou uma farsa.
Eu faço parte daquilo que nunca chegarei a conhecer.


Eu acredito no emudecimento do corpo.
Eu acredito na supressão das vontades do corpo.
Eu sou um corpo sanguíneo, sou um corpo violento.
Eu sou uma coisa que clama, clama, clama.
Eu sou uma necessidade.
Eu sou uma coisa dotada de alma e pulso.
Eu sou uma coisa que pulsa.
Eu acredito na Poesia.


(A coisa que eu mais amo no mundo tem um nome bem preciso, um território bem circunscrito. Chama-se: Música).



Eu acredito na Alma.
Eu acredito na Alegria.
Eu sou a Vida e vim para trazer a Vida.
Eu sou a Dor e vim para enfrentar a Dor.
Eu sou o Horror.
Eu sou acidentado.
Eu gosto das planícies áridas.
Eu gosto do estado do Rio Grande do Sul.
Eu amo, com meu coração confuso, o estado do Rio Grande do Sul.
Eu gosto de caminhos.
Eu gosto que o meu corpo reclame.
Eu gosto que o meu corpo revele ser parte de um todo que nunca chegarei a abarcar, eu gosto de sentir que o meu corpo é uma coisa-viva.
Eu gosto de Schopenhauer.
Eu, como Schopenhauer, não acredito no amor.
Mas eu sou puro amor, puro amor desinteressado, sou aquele que transborda de amor pútrido, sou aquele que resfolega em busca de ti, aquele que ofega em direção a ti, sou aquele que jamais desiste, aquele que jamais diz não, aquele que diz Sim, aquele que deseja o Sim com todas as minadas forças.

E conheço o amor. 
Eu amo alguém. 
Com todas as minhas forças,
amo alguém com  desespero,
com fúria,
amo violentamente e para sempre.

Eu amo com tal devoção.

Eu sou fútil.
Eu sou rasteiro.
Eu sou feio e não tenho condições de alcançar a tua Glória.
Mas eu sou glorioso, sou brilhante, guardo em mim batalhões de Vontade, eu sou luminescente e ofusco tudo ao meu redor.


Eu uso palavras excessivas e não tenho a coragem de dizer a verdade.
Eu sei que a verdade é rude.
Eu escondo a verdade atrás de ornamentos e circunvoluções.


Eu sou tão pequeno e tenho tanto medo.
Eu sofro sozinho dentro do meu quarto.
Eu guardo em mim uma força capaz de derrubar os alicerces.
Mas eu sou o medo e vivo dentro de uma cápsula de medo.
Eu prefiro a mediocridade da dor ao invés da alegria difícil.
Eu acho que alegria é insuportável.
Eu acho que a felicidade é insuportável.
Eu fujo de ti a toda hora, eu corro da tua sombra, eu te busco em cada esquina, eu te busco em espeluncas, eu corro de ti, eu te busco em casas de concubinato, eu te busco nas euforia das coisas espalhadas pelo mundo.


Eu sou fraco e vulnerável.
Eu acredito numa força alheia que nos alimenta.
Eu acredito numa força-mestra.
Eu gosto de florestas, eu gosto de pântanos, eu gosto de raízes.
Eu não sou confiável.
Eu sou indeciso.
Eu sou inconstante.
Eu sou contraditório.
Eu fraquejo na hora de dizer as coisas importantes.
Eu não sei quais as coisas que são importantes.
Eu me confundo, eu esbarro, eu derrubo bandejas, estilhaço janelas, eu perturbo o sono daqueles que repousam, eu bebo demais, eu fumo demais, eu cuspo nas pessoas sem querer, eu faço barulho demais, eu estou sempre onde não deveria estar.
Ontem mesmo, eu fui ao supermercado e derrubei no azulejo branco um vidro de catchup da marca Heinz.


Eu sou inoportuno.
Eu sou indesejável.
Eu desejo, e eu desejo com tanta força, eu desejo com tanto desespero.
Eu erro, e erro feio.
Eu sou uma sede.
Não sou digno de entrar em Tua morada.
Mas dizei uma palavra e serei salvo.


Eu sou falho e provisório.
Eu sou feito de uma matéria perecível.
Eu tenho água salgada dentro dos meus globos oculares.
Eu tenho uma substância branca dentro do meu saco.




Mas tenho um infinito amor pelas coisas que transitam pela Terra, eu tenho amor pelas substâncias, pelos cães, pelos girassóis, amor pelos montes, pelos vales, eu amo o fogo que consome as achas, eu amo os troncos, as clareiras, eu amo as tardes ociosas, os insetos que pacientemente fabricam a tarde, eu amo a tarde e o conteúdo inolvidável da tarde, eu amo os jorros, as infinidades, eu amo as noites, a lua nova que revela um céu, eu amo a água e as enxurradas de água e os aluviões, amo as cachoeiras incansáveis que nunca param de nascer e de jorrar, eu amo o largo e o profundo dos rios, eu amo o ritmo monótono da água dos rios, o leito encoberto dos rios, eu amo de um amor desesperado o verde-azulado dessas águas, o trabalho contínuo dessas águas. 

Eu amo as águas mas não sei mergulhar.
Eu preciso aprender a mergulhar.
Eu preciso me deparar com o cerne, a viva euforia de um cerne.
Eu não sei compartilhar.
Eu não sei dividir.
Eu preciso tanto de ti – sejas quem for- para que contigo eu possa repartir essa alegria insustentável, para que saciados repousemos, exaustos da exasperante tarefa de gastar essa alegria, para que untados deitemos, exauridos, calejados pela lida rude de esgotar essa alegria que machuca.


  *** 


Eu sou um silêncio.
Eu sou um silêncio doloroso.
Eu sou tão inábil.
Eu sou tão canhestro.
Eu sou um fingimento.
Eu sou um aglomerado de átomos.
Eu estou vivo, mas estou sepultado.
Eu me movimento, mas num espaço exíguo.
Eu respiro, mas dentro de uma câmara.
Eu escrevo, escrevo, escrevo – como um tolo.
Eu escrevo como aquele que escreve apenas para se salvar.
Eu estou perdido.
Eu perdi meu Norte.
Eu perdi teu rastro, as tuas pegadas no barro.
 
***
 
Eu vivo no vácuo.
Eu estou despregado das coisas.
Eu não sei o que quer dizer a palavra "realidade".
Eu estou fora de tudo.
Eu não pertenço ao mundo.
Mas eu carrego dentro de mim um mundo transformado.

2 comentários:

Tiago Violante disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tiago Violante disse...

caro Ygor,

exclui meu comentário anterior por achá-lo demasiado simples e impulsivo. Não que esse pretenda superá-lo...rs. Mas gostei bastante do seu texto... me ocorreram várias questões...
Basicamente gostaria de saber uma coisa: me parece que se partirmos do puro aparecimento não encontramos um eu; apenas encontramos o mundo como aquilo que apareceu. Quando um eu aparece é sempre para um aparecimento. Assim, quando vc se vale legitimamente do aparecimento de seu próprio eu, me parece que sua reflexão te auto-torna um objeto comparável a outros tantos. Então pergunto: você é tudo isso ou tudo isso é você?
Mas ainda me pergunto se essa questão está correta...

Um grande abraço,
Tiago.