quarta-feira, 30 de junho de 2010

Arte Como Problema.


Escrever como quem executa um gesto  – escrever algo tão simples que mal suporte a palavra. Penso numa meta: escrever algo tão nulo que mal suporte o peso de um tema. Realizo um exercício: escrever sem assunto algum, só pelo prazer de ir conectando uma palavra a outra. Imagino escrever algo imperceptível, como uma pessoa respira e mal percebe que respira. Sem esforço, sem dor, sem vontade alguma de estilo. Escrever sem pretender que o escrito seja lido ou admirado, aliás, escrever sem pretender nada. Produzir algo vazio, feito apenas de palavras, não de pensamentos. Palavras libertas de si mesmas, esquecidas da carga do significado. Mas veja, já se perde meu exercício. Começo a esboçar um tema. Vou tentar de novo, de outro jeito.

Mandala, vastidão, passagem. Reunião de sábios, templo, deus, garagem. Vida líquida, forragem dos pastos, mexilhão, costados de pedra acinzentada, manivelas de feltro. Som que das algas se desprende e vaza pelo mar de sargaços – avisto a ti, pequeno animal, no Triângulo das Bermudas.

Novamente, meu objetivo fracassa. Logo que começo a tentar, vão surgindo, sem que eu queira, minhas obsessões, meus fantasmas começam a falar. Um pensamento (mesmo que vago ou mal delineado) vai se formando atrás do texto, as palavras vão ganhando peso e valor. O tema se insinua, sorrateiro, o sentido se esgueira mesmo que a meta seja escapar dele. Pois o exercício visa ao absoluto nonsense. Mas percebo de forma muito nitida que as palavras repelem o não-sentido. A carga de sentido é tão forte, tão arcaica, que o sentido sabota a pretensa nulidade de si mesmo. Daí, tento concluir: a única possibilidade de experimentar a ausência de sentido é o silêncio. No caso, o  texto sairia assim:







Mas aí em cima não há texto. Não há nem mesmo um sinal de pontuação, porque caso houvesse, já haveria sentido. Como nos "quatro minutos e trinta e três segundos" de John Cage também não há música. Chega-se assim, a uma região limite, onde a arte já não é possível. Pois (eu divago) a arte é o território do sentido, por mais que dele tente dele escapar ou subvertê-lo, fragmentá-lo, minimizá-lo – o que certamente resulta em hermetismo. E para o hermético, não há público, a não ser os próprios artistas, em seu círculo. Pode-se perguntar então: “Mas para quê  fugir do sentido? Qual a razão dessa revolta, dessa rejeição do sentido? Será apenas um capricho, uma afetação vanguardista, um pendor aristocrático, uma vaidade excêntrica, enfim, algo fake, feito apenas para impressionar?” É o caso de muitos artistas. As mostras de arte contemporânea estão cheias de charlatães e de pseudo-arte, com as devidas exceções. A única vantagem disso tudo é que hoje já não se sabe mais o que significa exatamente a palavra “arte”. A arte tornou-se novamente um problema.

E problemas são o alimento do pensamento. Se todos estivessem de acordo sobre a arte, não haveria o que discutir. Mas se há desacordo, confusão, disputa, o pensamento cresce. Na minha experiência como escritor, aprendi que o não-fazer-concessões-ao-sentido é o mesmo que afastar-se do público; quando se tende ao não-sentido ou ao sentido múltiplo, vago, sugerido, não se pode esperar feedback algum – a não ser daqueles que, como artistas, de alguma forma, “entendem” o sentido oculto por trás da aparente vontade de nulidade significativa.

Pois há um sentido oculto ali. Se excluirmos charlatanice e vaidade, há todo um grande emaranhado de razões que justificam a rejeição do sentido ou a sua fragmentação, subversão, afastamento. A força-motriz aí presente, grosso modo, é a rebeldia contra a tirania do sentido herdado e enraizado pela tradição unida à paixão pelo experimento, imprevisto, acaso, ousadia, jogo.

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