Hoje, no fim da tarde, fui fazer fotos no cemitério. Sempre gostei de fazer isso. Uma vez, com essa intenção, pulei o muro do cemitério à noite com um amigo. E hoje, cansado de ficar sentado no computador, resolvi ir ao cemitério fazer fotos. O cemitério é um dos lugares mais atraentes que existe para quem curte fotografar. A abundância de linhas, cores, formas, perspectivas, texturas deixa qualquer olho meio desorientado. Flores, azulejos, manchas, estátuas, lixo, vidros, grades – o olhar se perde no meio de tantos assuntos. Mas as fotos não saíram como eu esperava. Com exceção de algumas poucas, ficaram quadradas, convencionais, cheias de clichês. Pode ser que a exigência implícita de uma espécie de postura respeitosa que o cemitério pede tenha bloqueado uma virtual ousadia da imagem. Lugar de respeito, imagens de respeito, ou seja: imagens ruins, pré-formatadas, sem vigor, sem criatividade. Será que alguma parte de mim se sentiu oprimida por aquilo que o cemitério representa? Nesse caso, teria a seriedade da morte recalcado a dose de alegria e ousadia necessárias a qualquer ato criativo? Não sei a resposta. Mas não vou desistir. Por isso, essa postagem se chama “Sessão Cemitério 1”, justamente porque vou tentar de novo, numa segunda sessão, fazer alguma foto boa no cemitério.
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Quando voltei pra casa, mostrei as fotos a um amigo. Ele reagiu: “Que coisa macabra!” Eu respondi: “Não acho.” Por que fotos de cemitério têm que ser macabras? Claro, eu sei, o ser humano tem horror à morte, e qualquer coisa que remeta a ela será “macabra”. Mas, pensando por outra perspectiva, o cemitério é um lugar quase engraçado com suas estatuetas bizarras, interiores ultra-cafonas de mausoléus, flores de plástico, epitáfios absurdos, velas coloridas, grades em formato de anjinho. Alguns diriam: “kitsch”. Eu não digo, porque não sei direito o que é “kitsch”. Por essas coisas, posso até achar o cemitério triste, pesaroso, melancólico, ou coisa que o valha, mas não “macabro”. Enfim, as fotos estão aí, para quem quiser passar o olho.
Um comentário:
Ygor, seus textos, verbais ou não, acordam tantos silêncios do que penso. Grama lutando contra a pedra. As pedras. Olhando as fotografias, revisitei "Uma branca sombra pálida", sempre e, por mais voltas que eu dê, lygiano. Um abraço saudoso!
"Nesta grama que rompe com fúria nos canteiros mas perde para a pedra, é o triunfo do mau gosto na pedra das estátuas. Das capelas. Mas os cemitérios têm mesmo que ser românticos, disse Gina. Voltávamos do enterro do pai e agora me lembro que fiz uma observação que a desgostou, era qualquer coisa em torno desse ritual das belas frases, das belas imagens, sem a beleza. Ela com a sua mágoa e eu com a minha impaciência, ah, a mentira das superfícies arrumadas escondendo lá no fundo a desordem, o avesso desta ordem."
(Passagem do conto "Uma branca sombra pálida", do livro "A noite escura e mais eu". Lygia Fagundes Telles. Rio de Janeiro, Rocco, 1995)
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