sábado, 26 de junho de 2010

Sobre o Amor. - Parte II.


Relendo hoje o que escrevi logo abaixo sobre o amor, temi que um possível leitor (se é que há algum) compreendesse a minha "crítica do amor" como fruto de algum ressentimento pessoal. Temi que  meu pensamento sobre o amor fosse tomado como amargor, renúncia, afastamento, vingança. Imaginei um leitor pensando consigo: "Ele não teve uma boa experiência no amor, por isso o deplora. Sua perspectiva não tem valor algum, por trás daquelas palavras há lamento e desejo de vingança". Confesso que, se assim pensasse, o tal leitor não estaria completamente enganado.

Por outro lado, há ali um desejo sincero de compreender o tema, sem deixar, na medida do possível, que o pensamento seja afetado pelo ressentimento. (Porém, considero: o que são nossos pensamentos senão frutos de nossa experiência? É possível exercer um pensar que não seja afetado, de alguma forma, pela vida, pelo corpo, pela experiência empírica? Mas essa é outra questão.)

Assim, buscando esclarecimento, mas me sentindo inábil para tanto, resolvi recorrer às palavras de um exímio pesquisador da alma humana. Ele é  célebre, muito lido, muito comentado, por vezes mal compreendido. E embora a sisudez da palavra "fiósofo" sirva normalmente para designá-lo, eu o considero mais próximo de designações como "artista", "criador", "espírito livre", ou algo que o valha. Depois de dar pauladas severas em várias espécies de amor, o autor refere-se ao "amor sexual". Leiamos:

(...) Mas é o amor sexual que se revela mais claramente como ânsia de propriedade: o amante quer a posse incondicional e única da pessoa desejada, quer poder incondicional tanto sobre sua alma quanto sobre seu corpo, quer ser amado unicamente, habitando e dominando a outra alma como algo supremo e absolutamente desejável. Se considerarmos que isso não é outra coisa senão excluir todo o mundo de um precioso bem, de uma felicidade e fruição; se considerarmos que o amante visa o empobrecimento e privação de todos os demais competidores e quer tornar-se o dragão de seu tesouro, sendo o mais implacável e egoísta dos "conquistadores" e exploradores; se considerarmos, por fim, que para o amante todo o resto do mundo parece indiferente , pálido, sem valor, e que ele se acha disposto a fazer qualquer sacrifício, a transtornar qualquer ordem, a relegar qualquer interesse: então nos admiraremos de que essa selvagem cobiça e injustiça do amor sexual tenha sido glorificada e divinizada a tal ponto, em todas as épocas, que desse amor foi extraída a noção de amor como oposto de egoísmo, quando é talvez a mais direta expressão do egoísmo. (...)

(NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 66).

Amor: egoísmo, cobiça, ânsia de poder, cegueira, sacrifício, perigo para a vida. Acho que não é preciso dizer mais nada.

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