Cidade,
mesas de formato angular, tabelas-mestras, libretos onde se arrisca a
vida, fugas ao redor do globo – estendo a minha mão a ti, escapadas ao
sul da cidade-majestade. Cidade, os abismos de angústia.
Forração, amor, vou a ti, esquema fluorescente de luzes, vou a ti,
audaz. Oh majestade tóxica do asfalto, oh calçadas por onde caminhaste,
oh lufadas do vento de junho! Sabre, torvelinho, prece – a cidade
responde em ideogramas, garatujas, rabiscos. Fósforo, tinta, janelas
rolantes, hortaliças. Os abismos onde a majestade-dor-cidade
reina, seus vastos territórios. Cavalo de sódio: vou a ti, os olhos
cheios de uma substância negra. Mas curvilíneo, vens a
mim – e soam os sinos inaudíveis, uma rosa arroxeada no teu peito
floresce. Vazantes, barro, fuligem das coisas, armários há muito
soterrados – na cidade, teu corpo imantado passeia, teu rosto rígido,
tuas mãos arcaicas, teus
punhais. A cidade, matrona dos flancos, recita uma prece
– filhos, amantes, padroeiro, luxo, umbrais, paixão, esquecimento e morte.
***
E na morte, fervilham os cemitérios, a cidade abriga um
turbilhão de vermes, os corpos carcomidos por baixo, o sexo
desmantelado, os olhos ocos, os seios reduzidos a uma substância
preta. Como gastar-se, foder-se,
aniquilar-se. Pelas sombras, nos campos santos, a cidade pratica os exercícios da putrefação.
E as galerias, a febre, o aluvião de túneis sobrepostos, os jazigos
onde repousam, os trastes. Rainha coroada às pressas,
vou a ti, embora nos carcoma o tempo, vou a ti, embora nos espere a
tumba, vou a ti, a cidade aspira pelo instante, a terra que nos devora
aspira, vou a ti, perplexo, o coração cheio de uma substância
pegajosa – na cidade que conta os teus dias, os meus dias, que
há de te transportar de novo à terra, que há de me transportar de novo
ao pó. Na cidade, consumidos, nadificados – nela estamos fodidos,
finitos. Contudo, respiramos. E expelimos sêmen e
ruídos; quando jungidos, expelimos fluidos, alegria,
festa. Quando colados um ao outro, encavalados um no outro, produzimos vida.
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