quarta-feira, 23 de junho de 2010

NOITE, CIDADE, MORTE, ALEGRIA: video+leitura.





Cidade, mesas de formato angular, tabelas-mestras, libretos onde se arrisca a vida, fugas ao redor do globo – estendo a minha mão a ti, escapadas ao sul da cidade-majestade. Cidade, os abismos de angústia. Forração, amor, vou a ti, esquema fluorescente de luzes, vou a ti, audaz. Oh majestade tóxica do asfalto, oh calçadas por onde caminhaste, oh lufadas do vento de junho! Sabre, torvelinho, prece – a cidade responde em ideogramas, garatujas, rabiscos. Fósforo, tinta, janelas rolantes, hortaliças. Os abismos onde a majestade-dor-cidade reina, seus vastos territórios. Cavalo de sódio: vou a ti, os olhos cheios de uma substância negra. Mas curvilíneo, vens a mim – e soam os sinos inaudíveis, uma rosa arroxeada no teu peito floresce. Vazantes, barro, fuligem das coisas, armários há muito soterrados – na cidade, teu corpo imantado passeia, teu rosto rígido, tuas mãos arcaicas, teus punhais. A cidade, matrona dos flancos, recita uma prece – filhos, amantes, padroeiro, luxo, umbrais, paixão, esquecimento e morte.

***

E na morte, fervilham os cemitérios, a cidade abriga um turbilhão de vermes, os corpos carcomidos por baixo, o sexo desmantelado, os olhos ocos, os seios reduzidos a uma substância preta. Como gastar-se, foder-se, aniquilar-se. Pelas sombras, nos campos santos, a cidade pratica os exercícios da putrefação. E as galerias, a febre, o aluvião de túneis sobrepostos, os jazigos onde repousam, os trastes. Rainha coroada às pressas, vou a ti, embora nos carcoma o tempo, vou a ti, embora nos espere a tumba, vou a ti, a cidade aspira pelo instante, a terra que nos devora aspira, vou a ti, perplexo, o coração cheio de uma substância pegajosa – na cidade que conta os teus dias, os meus dias, que há de te transportar de novo à terra, que há de me transportar de novo ao pó. Na cidade, consumidos, nadificados – nela estamos  fodidos, finitos. Contudo, respiramos. E expelimos sêmen e ruídos; quando jungidos, expelimos fluidos, alegria, festa. Quando colados um ao outro, encavalados um no outro, produzimos vida.



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