sexta-feira, 7 de maio de 2010

A Cidade e os Frutos.



Habitam a cidade.
São carne e dor,
Estão vivos, são macios,
São corpos, são dóceis,
Mas perecíveis.

A cidade é o lugar onde habitam.
O circo onde enjaulados conduzem o espetáculo.
A cena onde exaustos representam alguma
Obscura peça.

E não há diretor que os guie;
Não há roteiro que os oriente;
E não há público algum que os aplauda.
Nada ali os acalenta:
Estão sós, embora sejam muitos.
E são frágeis: quando pulam de edifícios,
Ouve-se na calçada um baque surdo, severo.

Habitam a cidade.
São carne, ossos, coração e sangue.
Estão vivos, mas não por muito tempo.
Logo que morrem, são transportados
Ao lugar propício onde cada corpo
É minuciosamente devorado, em silêncio.

Mas por enquanto vivem, como pássaros vivem,
Esquecidos da morte, e sorriem, e tentam amar
E grudam seus corpos um no outro.
E quando é noite se enlaçam
E o suor de um mistura-se ao suor do outro.

É uma alegria precária que os invade então,
Quando tentam um do outro extrair o sumo,
E o sexo de um habita o sexo do outro,
E as línguas labutam, úmidas,
E o sêmen jorra em rajadas.

Mas são tão frágeis – e vivem apenas
Um minúsculo instante, dentro da cidade,
E respiram da cidade os gases,
E transitam altivos pelas avenidas,
E bebem café nos botecos
E sentam-se nos bancos quando vão fumar.

A cidade é cúmplice de tudo –
É nela que tais estruturas se armam:
A cidade é a cena, a varanda onde
As coisas se reúnem, o terreno onde
As coisas se chocam, a abertura
Por onde as coisas respiram.
É ela que arma um sobre o outro os cubículos.
É nela que os líquidos fluem,
Que os caixões são depositados,
Que os corpos continuamente nascem e padecem.

Pois nos bares florescem as putas
Pois nos becos repousam os embriagados
Pois nas prisões um homem fode um outro homem
Pois nos hospitais, nas fábricas, nos viadutos,
Nas casas de chá, nos salões de beleza:
A cidade é cúmplice, e são inumeráveis
As belezas que nela transcorrem
Assim como são inumeráveis os horrores
Que ela abriga em seus desvãos.

Na escuridão dos galpões
Nas catedrais de penumbra,
Na paz dos cemitérios,
No turbilhão das calçadas,
No calor dos quartos de concubinato,
Nos andaimes erguidos de aço
Nas câmaras que a cidade guarda trancadas
Onde, por fim,  amadurece o fruto híbrido,
O fruto bizarro  e doce que a cidade expele:
O fruto tóxico de seu infinito exercício.

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