quarta-feira, 5 de maio de 2010

A Maquinaria.



 


Esse corpo tão frágil que me veste
Onde o tempo as suas garras crava
Essa capa tão fina que me cobre
A que os homens chamam “pele”
Esse pulso ininterupto no peito
- ora lento, ora apressado –
Esses globos móveis e retráteis
Alocados em duas cavidades
- são chamados pelos homens “olhos”.
É um alento que toda essa vida anima
Ou é a própria vida que, animando-se,
Consome a si mesma como a flama
Acendendo e apagando seus fachos?


São as matrizes do corpo bem armadas
São estendidos os tendões em cruz
E calçadas as espáduas nos desvãos
E dispostos em dutos os nervos.

Essa maquinaria operante e quente,
Que música, que rumor, que sopro, que faísca?
Que motor, além dos céus, acende
A luz de uns olhos como os teus?

Quem, lançado na pesquisa arcaica,
Corpo adentro, perscruta, em vão,
Seu próprio maquinário
Dele recebe rumores, hieroglifos –
Que a angústia que habita o teu peito
E o retumbar que no teu ventre soa
Nada revelam e nada comunicam
Senão o murmúrio surdo
Daquilo que jaz em ti, secreto,
E que a ti mesmo soa indecifrável.

Já não decifro a mim mesmo e não conheço a casa
Onde o meu coração divide em espasmos o tempo.
Então, porque não junto os meus pés e espalmo
Com fervor na areia as minhas mãos cansadas
E deposito meu corpo fatigado sobre as águas?

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