terça-feira, 15 de junho de 2010

Entardecer com Cores: Video+Texto.



Acontece de quando em quando, em fins de tarde, que o céu da cidade fique rajado de cores. Eu estava em casa, e cortava em rodelas uma lingüiça calabresa enquanto ouvia os Concertos de Brandenburgo. Ao olhar para a janela, me chamou a atenção a súcia de paletas reunidas, a delicada desordem e o arrojo de tantas cores misturadas. Era estranhamente moderno, espantoso, agressivo.  Era aquele embarafustamento, aquela profusão. No fim, aquele exagero, aquele esbanjamento de beleza sem finalidade que a natureza às vezes teima em fabricar lá com seus meios. É impróprio tomar o céu do entardecer por uma “obra”. Obras são coisas humanas. Mas é inevitável (e divertido, enfim) pensar naquele turbilhão como uma “obra” anônima, bombástica, feita para todos e para ninguém, incrivelmente elaborada em seu mais precioso detalhe e no entanto perfeitamente livre, desarticulada. Não pude deixar de observar ainda que a “obra” era mutante e cada cinco minutos revertia em outra. “Como tudo é grande e portentoso e belo!” – algo em mim dizia. Outro algo em mim, mais sóbrio, alertava: “Não se deixe enganar, foi você mesmo, humano, quem criou a beleza. Essa obra é sua.”  As duas partes não se entenderam lá muito bem. Uma delas dizia: “Como é possível negar que aqui existe algo que pode ser chamado de “belo em si”?” A outra retrucava: “ Mas como pode ser você ingênua e ao mesmo tempo arrogante a ponto de crer que a natureza se importa com seus juízos estéticos!” A noite derramou-se, enfim. E a grande obra sem autor – ou de autor desconhecido – foi encoberta pelas sombras. Nada ficou decidido entre as partes. Mas a uniformidade  que a noite estendeu sobre o que antes era variado e confuso foi capaz de acalmar os ânimos e fazer esquecer um pouco que o mundo é essa coisa colorida e móvel, misturada e doida, exuberante e cruel.


Um comentário:

Ricardo Dalai disse...

“Como tudo é grande e portentoso e belo!”


ás vezes eh bom ser menos sóbrio...
...vivamos embriagados de cores.

Abraço!