domingo, 22 de novembro de 2009

Jornada ao Sul.

 

Íamos ao Sul, íamos à América, vestidos a caráter, com bombachas e as almas filtradas – íamos calados, valorosos. Com as almas em brasa laboradas íamos, os pés em alpargatas calçados, guarnecidos na alma, íamos ligeiros, como quem vai ao mundo. E no caminho, sob o sol meridional veríamos, postada sobre o Olimpo e muito tesa, toda uma estatuária. Pois há o panteão, sabíamos, e Apolo nos oferecia o mate muito verde, em cuia de prata preparado. Íamos sem pressa e sempre. Como quem navega, íamos com força porém calmos, e Apolo com seus cachos nos oferecia o flanco mal assado de cordeiro. A América era um pássaro. Éramos tão poucos e no entanto tão ávidos. Como se um vento oculto nos impulsionasse. Tínhamos cigarros, e de quando em quando fumávamos. Quando Apolo, com seus lábios, nos oferecia  a carne, aceitávamos. Sob a estepe aberta, avançávamos. Era o Sul, sabíamos, que nos atiçava. Era o sol do Sul que nos iluminava, era a cor do Sul que nos preenchia as retinas. Sem cavalos íamos, porém audazes. E quando Apolo, com o peito aberto, nos oferecia o laço, rodeávamos as cristas espalmadas das costas, o óleo da carnadura nos lubrificava, os músculos das pernas nos erguiam, éramos mato e pastagem. Depois, o Rio Grande, imenso, se abriu. Entrávamos. E palmilhávamos a carne das campanhas, o coração lavrado de um amor antigo. E nos recessos  do campo serenávamos. E no torpor das clareiras ao meio-dia caçávamos de um e doutro o cheiro – como se tateássemos. O espelho imóvel das aguadas espelhava o céu. E cada invernada era o espaço vasto onde girávamos. Urgentes íamos, e derramávamos a vista na planura e no horizonte que a planura desenhava. Íamos, afoitos como fletes, e o barro do bebedouros nos guardava o rastro. E a floração do pomos nos anunciava – “é a hora da vida”. Para a vida íamos, olfateando nas rajadas de vento o perfume da erva macerada depois da chuva. Éramos fogo e forja, e sobre matéria rude da alma laborávamos. O Rio Grande era o oceano onde singrávamos. Mas quando o corpo abrasado do deus atrás das coxilhas se ocultava, e a escuridão como um traje encobria a campanha, era nas ramadas que, ainda cobertos com o pó da jornada, enfim, com o peito repleto de um amor exausto, instantaneamente adormecíamos.

2 comentários:

gábi disse...

maravilhoso.
trágico.
gaudério.
impressionante.
um beijo de quem viu e viveu nos pampas.

Emerson Wiskow disse...

Opa! O tema realmente lembra. Gostei
grande abraço