- Me diga, o que você fez hoje ?
- Doutor , hoje fui ao mercado comprar carne moída para refogar com cebola e bastante pimenta calabresa. Não sei por quê , mas subitamente a idéia de carne moída refogada com cebola e pimenta (não qualquer pimenta , mas a calabresa) me pareceu a coisa mais desejável do mundo . Tudo acompanhado de arroz branco , banana nanica cortada em rodelas e algumas folhas de alface crespa com azeite . Ah, que refeição digna de um príncipe ! Pois assim fui ao mercado , com a simplicidade de quem deseja e, sem pestanejar , estende a mão e...
-Veja bem , você fala de algo muito importante . Isso nos dá notícia de algo . Se pensarmos na sua ida ao supermercado a posteriori, pode ser que a idéia de refogar carne moída com pimenta calabresa já estivesse sendo gerada há dias no seu inconsciente . Quem sabe a sua espontaneidade não passe de uma ilusão ?
-Mas, doutor ...
- Me diga o que lhe vêm à mente quando pensa em carne moída.
-Bem, deixe-me ver . Uma vez , quando pequeno , minha avó refogava carne moída, eu toquei na panela , sofri uma queimadura na mão e ainda levei uma bronca , e depois ...
-Veja só , que interessante. Aí temos algo que pode ser pesquisado. Você fala de coisas importantes . A sua experiência com a panela e a queimadura que dela resultou sugerem que uma pulsão erótica recalcada gera dor . Édipo. Sua avó é sua mãe . A panela é o símile da vagina . Sua mãe é a panela . Você vai em direção a ela , você a deseja . Mas o acesso a ela é negado. A queimadura na mão é a lembrança da proibição do incesto . Édipo.
-Mas será que ...
- Perceba ainda que , para o seu inconsciente , cachos de banana nanica são lidos – não há sombra de dúvida - como símbolos fálicos. Aí temos notícia de algo . O ato de comer banana corresponde à usurpação do poder paterno representado pela figura do falo . No caso da pimenta calabresa, é provável que o ardor provocado por ela evoque em você a excitação das primeiras experiências sexuais na infância cujas lembranças foram recalcadas pelo seu superego .
- Isso quer dizer que a minha ida ao mercado ...
- A sua ida ao mercado é a restituição cifrada do seu período pós-edipiano mal processado. Só não me ocorre nada quanto à alface crespa . Você mencionou alface crespa com azeite , não ?
-Sim, sim ...
- Bem , alface crespa não quer dizer nada . É apenas alface . (...) Se bem que , por outro lado , veja só , aí temos algo . Algo que nos dá uma notícia . O ato de mastigar folhas talvez simbolize um retorno a uma experiência xamânica, vital , a um contato com a terra que tem ressonâncias uterinas. Comer alface é sinal do seu desejo de voltar ao útero , compreende? Mas o retorno ao útero é proibido pela imagem da panela /vagina processada como tabu após a experiência traumática. Além disso, temos as bananas fazendo o papel do falo ... deixe-me ver ... a pimenta como símile da sexualidade infantil ... algo ainda está faltando. Você se lembra se a sua avó usou louro na receita ?
- Mas doutor , como vou saber ...
- Não importa, ela provavelmente usou louro . Avós usam louro na comida .
- E o que isso tem a ver com ...
- Tudo a ver , meu caro, tudo a ver . Veja só , na Grécia Antiga , as coroas confeccionadas com ramos de louro eram o símbolo da vitória para os atletas e heróis nacionais . Esse costume também foi herdado em Roma na época dos Césares. Por isso o termo laureado deriva justamente do gênero Laurus. Essas informações estão guardadas no seu inconsciente . O aroma de louro na cozinha da sua avó representa – advinhe quem ? – o seu pai . Na disputa pela sua mãe , o seu pai foi o laureado. A vitória é dele, o que lhe causa asco e revolta . Esses sentimentos intensos recalcados retornam sob a forma de angústia , o que explica as suas tonturas e frequentes crises de pânico .
- Doutor , realmente , eu não acho que ...
- Encerramos por hoje , sim ? Espero você na próxima semana .
2 comentários:
Ola gostei do seu blog o texto é muito bem engraçado alem é claro de despertar discussões interessantes...
Grande abraço
Almir Escatambulo
www.umregistroqualquer.blogspot.com
É meu caro,
interpretações delirantes da psicanálise, respaldadas num processo consciente do inconsciênte... pura contradição...
Muito interessante seu blog,
Abraços
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