quarta-feira, 10 de março de 2010

Édipo e a Culinária.





- Me diga, o que você fez hoje?

- Doutor, hoje fui ao mercado comprar carne moída para refogar com cebola e bastante pimenta calabresa. Não sei por quê, mas subitamente a idéia de carne moída refogada com cebola e pimenta (não qualquer pimenta, mas a calabresa) me pareceu a coisa mais desejável do mundo. Tudo acompanhado de arroz branco, banana nanica cortada em rodelas e algumas folhas de alface crespa com azeite. Ah, que refeição digna de um príncipe! Pois assim fui ao mercado, com a simplicidade de quem deseja e, sem pestanejar, estende a mão e...

-Veja bem, você fala de algo muito importante. Isso nosnotícia de algo. Se pensarmos na sua ida ao supermercado a posteriori, pode ser que a idéia de refogar carne moída com pimenta calabresa estivesse sendo gerada há dias no seu inconsciente. Quem sabe a sua espontaneidade não passe de uma ilusão?

-Mas, doutor...

- Me diga o que lhe vêm à mente quando pensa em carne moída.

-Bem, deixe-me ver. Uma vez, quando pequeno, minha avó refogava carne moída, eu toquei na panela, sofri uma queimadura na mão e ainda levei uma bronca,  e depois...

-Veja , que interessante. temos algo que pode ser pesquisado. Você fala de coisas importantes. A sua experiência com a panela e a queimadura que dela resultou sugerem que uma pulsão erótica  recalcada gera dor. Édipo. Sua avó é sua mãe. A panela é o símile da vagina. Sua mãe é a panela. Você vai em direção a ela, você a deseja. Mas o acesso a ela é negado. A queimadura na mão é a lembrança da proibição do incesto. Édipo.

-Mas será que...

- Perceba ainda que, para o seu inconsciente, cachos de banana nanica são lidos – nãosombra de dúvida - como símbolos fálicos. temos notícia de algo. O ato de comer banana corresponde à usurpação do poder paterno representado pela figura do falo. No caso da pimenta calabresa, é provável  que o ardor provocado por ela evoque em você a excitação das primeiras experiências sexuais na infância cujas lembranças foram recalcadas pelo seu superego.

- Isso quer dizer que a minha ida ao mercado...

- A sua ida ao mercado é a restituição cifrada do seu período pós-edipiano mal processado. não me ocorre nada quanto à alface crespa. Você mencionou alface crespa com azeite, não?

-Sim, sim...

- Bem, alface crespa não quer dizer nada. É apenas alface. (...) Se bem que, por outro lado, veja , temos algo. Algo que nos dá uma notícia. O ato de mastigar folhas talvez simbolize um retorno a uma experiência xamânica, vital, a um contato com a terra que tem ressonâncias uterinas. Comer alface é sinal do seu desejo de voltar ao útero, compreende? Mas o retorno ao útero é proibido pela imagem da panela/vagina processada como tabu após a experiência traumática. Além disso, temos as bananas fazendo o papel do falo... deixe-me ver... a pimenta como símile da sexualidade infantil... algo ainda está faltando. Você se lembra se a sua avó usou louro na receita?

- Mas doutor, como vou saber...

- Não importa, ela provavelmente usou louro. Avós usam louro na comida.

- E o que isso tem a ver com...

- Tudo a ver, meu caro, tudo a ver. Veja , na Grécia Antiga, as coroas confeccionadas com ramos de louro eram o símbolo da vitória para os atletas e heróis nacionais. Esse costume também foi herdado em Roma na época dos Césares. Por isso o termo laureado deriva justamente do gênero Laurus. Essas informações estão guardadas no seu inconsciente. O aroma de louro na cozinha da sua avó representa – advinhe quem? – o seu pai. Na disputa pela sua mãe, o seu pai foi o laureado. A vitória é dele, o que lhe causa asco e revolta. Esses sentimentos intensos recalcados retornam sob a forma de angústia, o que explica as suas tonturas e frequentes crises de pânico.

- Doutor, realmente, eu não acho que...

- Encerramos por hoje, sim? Espero você na próxima semana.

2 comentários:

Almir Escatambulo disse...

Ola gostei do seu blog o texto é muito bem engraçado alem é claro de despertar discussões interessantes...

Grande abraço

Almir Escatambulo

www.umregistroqualquer.blogspot.com

Tiago Violante disse...

É meu caro,

interpretações delirantes da psicanálise, respaldadas num processo consciente do inconsciênte... pura contradição...

Muito interessante seu blog,
Abraços